O Código Civil de 2002, como um marco evolutivo no Direito de Família, concedeu ao cônjuge o direito de se posicionar como herdeiro necessário durante a abertura da sucessão de seu consorte, igualando-se aos descendentes e ascendentes.
No entanto, apesar desse avanço, o atual Diploma Civil manteve o viés intervencionista quando o assunto envolve a autonomia privada na matéria sucessória, tanto dos demais herdeiros necessários como também do cônjuge sobrevivente.
Certo é que a escolha dos regimes de bens no momento do casamento ou quando da formalização da união estável é completamente livre ao casal, representando uma clara manifestação da vontade dos cônjuges em estabelecer as regras que regerão suas relações patrimoniais durante a vigência da união.
A título de exemplo, podemos citar o regime da separação total de bens, que dispõe a individualização do patrimônio do casal tanto no curso da relação como após a dissolução do vínculo conjugal por divórcio ou dissolução. Os nubentes, ao escolherem o referido regime, entendem pela presunção lógica de que tal opção deveria igualmente aplicar-se à situação de falecimento de um dos cônjuges, uma vez que é uma decisão consensual entre as partes.
Muitos descobrem somente após a opção de regime que a separação de patrimônios é válida tão somente no viés das normas de família, não se aplicando as regras das disposições sucessórias quando da abertura da sucessão de um dos envolvidos.
Isso porque o artigo 426 do Código Civil impõe uma restrição à autonomia privada ao proibir expressamente a elaboração de pactos sucessórios, vedando uma renúncia antecipada à herança. Esta restrição se torna ainda mais evidente no caso do regime de separação total de bens, visto que seus efeitos se aplicam apenas durante a vida, o que constitui uma clara afronta à autonomia do casal.
Desde o enfrentamento da questão pelo judiciário, doutrina e a jurisprudência têm apresentado divergências significativas quanto à validade da renúncia prévia à herança por meio de pacto antenupcial ou escritura de união estável. Enquanto alguns defendem a aplicação irrestrita do artigo 426 do Código Civil, argumentando que os pactos sucessórios são normas de ordem pública e não privada, proibindo sua flexibilização pela vontade das partes, outros sustentam que, mediante expressa autorização dos envolvidos, não há violação à norma.
Adeptos da segunda corrente, tabeliães de notas já vem aceitando a inclusão da renúncia nos pactos antenupciais e escrituras públicas. Amparados na sua independência funcional, prevista no artigo 28, da Lei n. 8.935/94, aceitam inserir esse desejo do casal. A Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, inclusive, já autorizou a previsão de tal cláusula, dispondo que: “A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia”.
Neste cenário de polarização a reforma do Código Civil propõe alterações no artigo 426, ampliando a autonomia privada e permitindo a renúncia prévia à herança por meio de pacto antenupcial ou contrato de convivência, estabelecendo condições e limitações específicas para garantir a segurança jurídica e a proteção dos herdeiros. Vale destacar que, ainda que não se tenha notícia acerca da exigibilidade formal, é aconselhável que os envolvidos declarem sua vontade mediante lavratura de escritura pública, em analogia ao artigo 1793 do Código Civil.
Certo é que tal mudança representará um avanço significativo na modernização do Direito das Sucessões brasileiro, adequando-o às novas realidades familiares e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada, possibilitando a dissociação patrimonial entre os cônjuges tanto em vida como após a morte.
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